CARNAVAL
sábado, 26 de junho de 2010
SINCRETISMO
Mesmo após o fim da escravidão e o Estado laico-republicano, o negro vivia – e vive de certa forma até hoje – sob a condição tácita de comungar do credo católico. E aprendeu, assim como todo brasileiro mestiço, a acender uma vela para o santo e outra para o orixá. Ou ainda, no sincretismo mais clássico, a acender uma única vela para um santo-orixá, com características próprias de duas matrizes, com lógicas e dinâmicas completamente diversas, quando não antagônicas entre si.
Essa capacidade própria do brasileiro, mas também presente em outras sociedades, é um poderoso antídoto contra os efeitos malignos da globalização. A capacidade de absorção e re-processamento de práticas, modos e crenças permite, por um lado, o esvaziamento das barreiras internas contra o avanço da camaleônica cultura do consumo, e, de outro, a possibilidade de avanço e diálogo com as outras formas de interação, convivência e expressão presentes na arena global. O que pode significar a abertura de mercados para as indústrias culturais brasileiras.
Celebrar o sincretismo e a mestiçagem como um traço inerente e potencializador da cultura brasileira é questão de preservação e promoção da memória e das tradições. Um exemplo recente disso é o movimento Mangue-beat em Pernambuco. Ferozmente combatido pelos defensores da cultura tradicional e do maracatu, pois buscava elementos de raiz para dialogar com o pop e com a indústria cultural, o movimento só fez valorizar as tradições e as comunidades que praticam o maracatu rural, colocando, por exemplo, a cidade de Nazaré da Mata (PE) no mapa da música contemporânea universal.
Tropicália, bossa-nova e muitos outros movimentos culturais brasileiros nascidos na indústria do entretenimento, partem desse jeito brasileiro de ativar e dialogar com o outro, a partir da valorização do seu próprio referencial simbólico.
Mas como permitir o desenvolvimento artístico e o acesso a esses mercados a uma camada da população distante do Estado e dos meios de comunicação?
* trecho do livro O Poder da Cultura
Leonardo Brant - ESCRITOR